A Praia Vermelha é certamente uma das paisagens mais bonitas do Rio. Uma espécie de praia particular da Urca, aparentemente mais segura que outras praias da cidade posto que fica incrustada numa região militar, ela oferece além de uma paisagem deslumbrante, com um calçadão face ao mar emoldurado por duas emblemáticas montanhas da geografia carioca. Ocupando lugar central nesse recanto idílico, a bela estátua de Chopin figura pensativa sobre uma base onde se lê a dedicatória: "Aos poloneses do Brasil". Chopin nunca visitou as terras de Vera Cruz, nunca enterrou os pés nas granuladas areias do Pão de Açúcar. Se a homenagem é justa, ela no entanto sugere uma série de inferências por indução incorreta, pra gastar um pouco da minha lógica analítica. Essa dedicatória me faz pensar no nosso mais profundo colonialismo cognitivo, num eruditismo pedante fazendo sombra ali, sobre ambulantes vendendo guaravita e água de côco. Foi assim que nasceu a canção. As aventuras num país onde muitas vezes o estrangeiro tem mais chances que o nativo. As peripécias de um artista aspirante que cantando na língua natal tem seu espaço surrupiado nas ondas radiofônicas afogadas de produção estrangeira. Obrigado a brindar no copo dos outros. Como bem ilustrou Sérgio Buarque de Hollanda, da terra cujo fruto pode ser arrancado sem precisar se plantar a árvore, o valor próprio do trabalho ainda é um questionamento difuso. E assim continuamos a promover a colheita por mãos outras que aquelas que trataram o cultivo. Ah, esse país cheio de homens cordiais!
Nesse mesmo período, morava numa quitinete em Copacabana, na Barata Ribeiro 185, algumas quadras depois do finado Beco da Fome, na pequena Red Light da Prado Junior, permeada de botequins, do antigo bar Cervantes, das gueixas tupiniquins de Fausto Fawcet e algumas quadras antes do Beco das Garrafas, mítico trecho de ruela onde os primeiros acordes da bossa nova encontraram público e cuja alcunha se deve à prática dos moradores de jogar garrafa nos boêmios que ali frequentavam. Meu primeiro ano no Rio foi transitando por essa zona umbralina, observando a fauna e a flora crescidas na umidade da avenida Atlântica, atrás de um self-service com as 100 gramas mais baratas, bem entendido.
lyrics
AOS POLONESES DO BRASIL________________(música e letra: batone)
Morre na areia da praia vermelha
morreu aos pés de Chopin
aos poloneses do Brasil, manjuba e mandiopan
eu ergo um brinde no copo dos outros
eu penso grande no canto dos olhos
procurando as cem gramas mais baratas
ao vencedor as batatas!
agora sou eu no beco das garrafas
atrás da viva alma que me ouça
mudando o nome no beco da fome
prensando um beck
agora sou eu querendo cama em Copacabana
tirando onda em Volta Redonda
levando tapa nos Arcos da Lapa
pegando leve
agora sou eu sem a menor piedade de mim
pro inferno as boas intenções
tupi or not tupi!
credits
from LIXO EXTRAORDINÁRIO,
released July 1, 2007
batone: voz e violão
mizão: guitarras
filipe barthem: baixo
farinha: bateria
alex corrêa: teclados
duda de souza: tambor de mola
produção executiva: júlio anizelli
produção musical, mixagem e masterização: júlio anizelli
direção de arranjo: mizão e filipe barthem
captação: júlio anizelli, filipe barthem e gustavo potumati
edição: júlio anizelli
Eco-anarco-humanista, glauberiano com ascendente em escorpião.
Um ex-fantoche, um faminto índio das cavernas, um loboguará do Velho-Oeste Paulista e, antes de tudo, um ente que se quer presente.
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