Banguela

from Disquinho de Bolso by Batone

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Um dia minha sobrinha Gabi perdeu os dois dentes da frente. Eram ainda de leite, sorte dela. Mas ficou aquele “painel de carro sem toca-fita” como o Ricardo, seu pai, dizia. Gabi nessa época começava a ter consciência do quanto ela é bonita e se constrangia a ver no espelho a falta que um dente faz no layout de qualquer pessoa. Estávamos em Marília, nós e um monte de crianças, sobrinhos e protosobrinhos de tudo quanto era lado da família. E onde tem criançada eu tô por perto, adoro aporrinhar criança. É onde eu sinto que a minha eloquência realmente funciona. Aí, violão em punho, resolvi brincar de fazer um verso rimado pra cada pequeno ali presente… quando chegou a hora da Gabi, quis naturalizar a banguela e soltei a frase “levanta a mão quem na boca falta um dente”. Tudo bem que a sintaxe está meio torta mas como em poesia o que vale é a semântica o refrão ficou assim mesmo. Porque foi eu cantarolar essa singela chamada pra eu constatar uma coisa interessante: falta dente na boca de todo mundo. Na hora, tudo que eu queria era chamar a atenção da Gabi; esperava que ela atendesse ao meu pedido e me acenasse com seu sorriso mareado. Mas pra minha surpresa, toda a meninada levantou a mão.

Ok, criança tem sempre um dente por vir e um outro à cair. Mas quando mostrei essa mesma canção no auditório da Veiga (a universidade onde eu dava aula no Rio) só não levantou a mão quem não levanta a mão pra nada. A conclusão era evidente: o mundo é banguela. Quando assisti pela primeira vez um show do Toni Platão a música que mais me impressionou foi justamente uma canção que se chama “Perdendo dentes”. É tão significativa essa imagem. Faz tanto parte do nosso processo perder dentes ao curso da vida.

Eu nasci com uma dávida, não tenho cáries. Criei uma teoria que é por causa do ph da minha saliva. Mas o fato é que passei metade de minha adolescência indo regularmente ao dentista porque quebrei os incisivos superiores brincando de cabra-cega numa festa de Halloween. Ironicamente era eu o conde drácula. Mas irônico mesmo é que o acidente me fez passar um bom tempo tentando salvar as raízes que sobraram com toda sorte de aparelhos ortodônticos, até o “freio de burro” eu usei. Por fim, depois de anos de tratamento, perdi os dentes.

No mesmo dia em que meti uma prótese (que compreende toda a comissão de frente da arcada superior) assistia, no velho clube de cinema de Marília, “Perfume de mulher” e me compadecia com Al Pacino toda vez que sentia com a língua, no céu da boca, aquele corpo estranho que me fazia um handicapé. Como o ser humano tudo supera, hoje nem lembro que tenho dentes postiços.

A última vez que eles me deram trabalho foi uma semana depois que o Loboguará se apresentou no programa do Jô e eu os quebrei comendo presunto Perdigão na chácara de Embú das Artes. Liguei pro atendimento ao consumidor ainda de madrugada e ganhei super tratamento que feito pelo meu tio Cláudio. Eles devem ter pago muito bem, pois cada dia que eu ia ao consultório do meu tio ele me colocava uma nota de cem reais no bolso da camisa. Até hoje agradeço a “cremalheira” (como diz meu pai) que ele me fez, são perfeitas e ultra-resistentes.

Ok, escatologia à parte, foi esta canção que me fez conceber a idéia geral do Disquinho de Bolso. Um álbum pra ser um balanço de meia idade ao mesmo tempo que um disco infantil. E que de infantil não tem nada, como tudo que é feito pra ser infantil. Então, pra você que também falta um dente, aí vai:

lyrics

BANGUELA____________________________________________batone

Quem não sabe onde pôs o dedo
e chora que agora está se ardendo
tanto fez que não tem mais onde quebrar a cara
troca as mãos pelos pés mas se desamarra
quem não tem mais medo dos caretas
foi no vento e perdeu o assento
decidiu fugir da roça de carona na carroça
e hoje anda meio pouca prosa

levanta a mão quem na boca falta um dente
levanta a mão quem na boca falta um dente

toques aqui quem quebra brinquedo
só pra saber como ele é por dentro
arrebenta o pulmão pra ter acesso ao coração
e entender o seu funcionamento
minto que já sou dono do meu nariz
e não ligo se ele cresce como uma raiz
e nem ligo se no sonho vôo mais que o meu tamanho
nem se estou descalço sobre a terra
dando um passo maior que a perna

credits

from Disquinho de Bolso, released September 16, 2009
Batone: voz, violão e assovio
Mizão: guitarras
Joe Parker: baixo
Rodrigo Serra (Babalú): vibrafone
Irmãos Saturno (Paulo e João Casaes): efeitos
Stephan Drummond: bateria
Vinícius Cordeiro: percussões
Oliver Drummond: guitarra
Rafael Gryner: sonoplastia

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about

Batone Montreal, Québec

Eco-anarco-humanista, glauberiano com ascendente em escorpião.
Um ex-fantoche, um faminto índio das cavernas, um loboguará do Velho-Oeste Paulista e, antes de tudo, um ente que se quer presente.

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