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about

Glauber Rocha é um grande amigo. Desde que o conheci numa sessão de cinema da Augusta. Aquela figura, com uma criança nos braços, barba por fazer, cabelos desgrenhados, alma e camisa desabotoadas, caminhoneiro da Transamazônica, vociferando coisas urgentes sobre o Brasil profundo… desde então não deixei mais de ouvi-lo e ele muito me ensinou sobre o trágico imaginário de uma Nação… Quantas vezes Glauber me deixou assim parado, pensando, olhando o horizonte amontoado de Copacabana, aguardando o apocalipse.

Quantas vezes mais ele me encorajou, me insulfando planos, nutrindo alguma coisa que urra, uiva, berra e se sufoca em mim. Quantas portas ele me abriu. Seu nome me garantiu um empregão na Universidade e pude com ele filosofar, dirigir uma oficina de teatro, um curso de arte-educação, ateliers de criação poética, musical, tudo porque eu repetia coisas que ele havia me falado. Em seu nome bradei a falta de rumo do cinema nacional num Odeon que celebrava a pré-estréia de Lavoura Arcaica e do inaugurado sistema Globo Filmes. Em seu nome falei sozinho muitas vezes. E pra compensar o mundo que já não mais me servia, Glauber me apresentava pessoas. O fotógrafo e cinegrafista Carlos Saldanha, por exemplo, me recebeu em sua casa pra uma sessão de filme que terminaria com um pequeno embrulho diretamente colocado no bolso da camisa com a recomendação de só abrir quando chegasse em casa. Eu e o Edu Reginato cruzamos Santa Tereza até o Flamengo tentando imaginar o que eu portava no peito até que chegando ao destino, nos emocionamos descobrindo a pequena bandeira do Brasil que delicadamente se desdobrava. Numa dessas conheci Dib Lutfi, que se tornaria um dos mais queridos amigos do Rio, o primo de Marília* a quem teria que dedicar um bom capítulo da minha vida. Numa madrugada da Cinelândia, ouvi um Tarcisio Meira que lamentava não ter se dedicado mais a causa do cinema brasileiro e que queria ouvir mais e mais sobre Glauber, mesmo já tendo atuado no seu mais polêmico e derradeiro filme, A Idade da Terra.

Chorei sua morte no Cine Paissandú, ao lado de Zelito Vianna que chorava também. E hoje sigo portando a marca de um homem alforiado pelas palavras de Glauber. No documentário "Glauber Labirinto do Brasil" de Sylvio Tendler, alguém diz que depois que Glauber morreu o teto de sonhos do Brasil ficou mais raso. De fato, sem sua fome do absoluto nossas ambições de nação são bem mais modestas. A violência de nossa sociedade encontrava um álibi no olhar redentor de Glauber. Ele entendia a barbárie do povo brasileiro como uma potência revolucionária e transcendental, uma força dialética capaz de abrigar os genes de uma solução para o problema da exploração e opressão do proletariado em escala planetária. Essa é a função do artista: redimir o seu tempo. Sem sua redenção, essa barbárie que ainda impera em nossa sociedade, vira selvageria, violência incompreensível, niilismo. O Brasil precisa urgente de artistas que lhe apontem a redenção.

"Der Leone Have Sept Cabezas", primeiro filme no exílio, rodado na República do Congo, falando sobre o colonialismo que impôs fronteiras imaginárias sobre todo o continente africano, mostra um Glauber ainda mais comprometido com um programa estético de libertação política do Terceiro Mundo e ao mesmo tempo mais isolado em sua obsessão pessoal de fazer do cinema latino uma arma tão potente quanto ele o é para os americanos. O Leão do título (composto das 5 línguas do imperialismo moderno) é na canção o personagem que vive a úlcera do Irracional tal como apresentado na Eztétika glauberiana. Meu Zaratustra lendo a Estética do Sonho no alto da montanha...

A canção então partiu de um poema que havia já escrito e apresentado uma única vez ao Edu Reginato num restaurante da Tijuca. Mas ganhou forma mesmo quando o Fábio Farinha - que sempre tira da manga uma idéia rítmica aliada a uma harmonia ou idéia melódica - me mostrou o que viria a ser a linha de baixo e percussão de Der Leone. Para tanto, chamamos o Duda de Souza (percussionista do Mamaquilla) para adicionar um pandeiro que reforçaria a idéia de um repente e o toque final veio com o arranjo de metais que o Paulinho Siqueira desenvolveu a partir de uma sugestão de synth gravada em ensaios pelo Alex Corrêa. A atmosfera sonora final foi uma criação de Paulinho dialogando diretamente com as dramáticas trilhas orquestrais do Cinema Novo e que deu base para a adição do discurso assustador de Paulo Autran na pele do personagem Diáz de Terra em Transe (que pode ser visto no original em trecho do filme logo abaixo nesse post) e da edição de metralhadoras que o Júlio Anizelli tirou do próprio filme para compor ritmicamente com os últimos sopros do arranjo. Toda essa parte se alongava em ainda mais de um minuto de orquestração que foi cortada a meu pedido na última edição como tentativa de adequar o formato ao mais próximo possível de um recorte de canção. Típica decisão pra se arrepender depois. No entanto, o resultado final é emocionante e foi por mim apresentado diretamente à Dona Lúcia Rocha, mãe de Glauber, a quem visitei algumas vezes no Tempo Glauber para falar de seu filho, se emocionar, tocar violão, tomar café...

*Dib Lutfi filmou "Terra em Transe" enquanto Glauber lhe sussurava os ouvidos. Já foi considerado o melhor cinegrafista do mundo. Diz a lenda que a Steadcam foi inventada pra imitar seus movimentos. Martin Scorcese (ver video logo abaixo nesse post) já disse que submete sua equipe à audiência das experiências estéticas que Glauber desenvolveu particularmente em Terra em Transe e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (Antônio das Mortes) onde encontramos algumas das cenas monumentais que Dib ajudou a criar. Cenas que ajudaram a criar o Cinema Novo, a ponto de ser literalmente "A Câmera" do jarguão do movimento: "uma idéia na cabeça e uma câmera na mão" (na mão do Dib Lutfi). Nos conhecemos, por intermédio da Gabi que já tinha trabalhado com Sérgio Ricardo, seu irmão que quebrou o violão sobre a platéia do Festival da Record (músico, pintor e escritor excepcional, responsável pelas trilhas sonoras dos dois clássicos de Glauber mencionados acima - trilhas essas que Martin Scorsese ouvia no carro rodando Nova York). Nos descobrimos marilienses e assim ficamos amigos. Em 2010 Dib e Sérgio Ricardo revisitaram Marília depois de quase 40 anos por intermédio do cineasta Rodrigo Grota e do crítico e cinéfilo Edu Reginato, amigos que apresentamos à eles, e que assumiram a missão de promover esse reencontro dos filhos ilustres com a terra Natal.

lyrics

DER LEONE_____________________(música: farinha / letra: batone)

Ouço vozes do sonho e do irracional
pra que a arte vença essa mente ocidental
pra que o delírio reclame o seu valor com toda a violência do amor

te desperto pois teu inverno sede ao meu sertão
tua sede louca é da raiva do meu cão
vais comer teu ouro e só sobrará por fim a pedra lapidada nos teus rins,
a pedra lapidada

a pedra latente nos teus rins certos fins justificam meios mais rasteiros
a pedra de toque, o estopim, tudo por um triz, por um fio de cabelo
negro

mais um passo e serás um alvo fácil de abater
chegue perto e meu verso lhe fará doer
tua sorte achou meu açoite redentor
à terra tudo retornará na mesma idade da Terra

todo libertado é marcado e tem destino incerto
traz interno o fardo e no intestino o próprio inferno
vais vagar o mundo e acertar quem te traiu
com a labareda do teu sol sombrio
é dado aos sóbrios ver a luz do sol!

"aprenderão,
dominarei esta terra,
botarei essas histéricas tradições em ordem,
pela força, pelo amor da força, pela harmonia universal dos infernos,
chegaremos a uma civilização"

credits

from LIXO EXTRAORDIN​Á​RIO, released July 1, 2007
batone: voz
mizão: guitarras e efeitos sonoros
ricardo penha: baixo acústico
farinha: bateria
alex corrêa: riff de base dos metais
duda de souza: pandeiro e alfaias
paulinho siqueira: sax alto, tenor, barítono e soprano
paulo autran: fala incidental do filme "Terra em Transe" de Glauber Rocha

produção executiva: júlio anizelli
produção musical, mixagem e masterização: júlio anizelli
direção de arranjo: mizão e júlio anizelli
arranjo dos metais: paulinho siqueira
captação e edição: júlio anizelli

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Batone Montreal, Québec

Eco-anarco-humanista, glauberiano com ascendente em escorpião.
Um ex-fantoche, um faminto índio das cavernas, um loboguará do Velho-Oeste Paulista e, antes de tudo, um ente que se quer presente.

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