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L​â​mina

from N​ã​o vai ter culpa! by Batone

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Lâmina

Trabalho. Uma dessas questōes paradoxais da existência. Nāo tem como resolver esse caroço. Caroço de pescoço. Corda, golpe da gravata, joguinho da forca. Etmologicamente um instrumento de tortura. Na dança das relaçōes sempre uma tensāo : empregado e empregador, castigo e recompensa, espoliaçāo e acúmulo, subserviência e força, mérito e privilégio, criaçāo e reproduçāo, potência e medo… só pra ficar no primeiro brainstorm. Entāo vem a recuperaçāo marxista do valor do trabalho : numa concepçāo existencial do materialismo, o fruto do trabalho é o ato primordial da identidade, nāo há melhor maneira de se descobrir e se revelar pro mundo do que pelo produto do teu labor. E o capitalismo compra cotidianamente isso de nós à preço de banana. O liberalismo completa o enguiço te fazendo acreditar que por mais que te paguem, você merece mesmo muito pouco.
Dia desses, revendo meus amores com minha parceira, lembrei de uma namorada que ganhava muito dinheiro com sua profissāo e me perguntava sempre porque eu nāo era mais ambicioso, já que eu recebia « bem » por minhas horas pagas, mas preferia o vago sabor de minhas horas vagas. Nāo entendia porque ela insistia nessa pergunta e foi assim que a relaçāo se esgotou. Mesmo com um gostando do outro.
Aí vem essa cançāo « Lâmina ». Cantarolando-a, me fez resistir a um daqueles momentos bem difíceis. Gabi grávida, primeiro filho, país novo, imigrante, pouco domínio da língua, tudo à descobrir. Cultura estrangeira na bagagem, cultura estrangeira no horizonte, tudo estrangeiro, sentimento, medo, euforia, nada familiar. Foi entāo que a convite de um amigo, querido compositor Clayton Nogueira, que mesmo me adiantando o enrosco em que eu estava me metendo, topei trabalhar numa fábrica de tecidos. Ele largava o posto pra ir pra uma loja de flores fazer buquês. Ele dizia que de agora pra frente só faria « buquete ». E eu quis brincar de proletário. Me legitimar nas injustiças. Sofrer pra ter recompensa. Me santificar no sacrifício. Me phoder pra me sentir irmanado à todo latino-americano. Mergulhar à fundo nos padrões, nas minhas crenças e distrações. Ser aceito pelo gringo no lugar que me cabia, na pequenez da insegurança. Transformar o medo em ódio pra ter a motivaçāo da vingança e ganhar algum « alqueire » no território inimigo.
Porque trabalhar pra quem quer que seja é sempre uma atividade escrava. E pode ser ainda mais cruel se és teu próprio algoz, oh! trabalhador autônomo! Porque hoje concluo que « trabalhar » é sempre « sub ». Sub-emprego do tempo, sub-utilizaçāo de energia, sub-missāo. A-gente secreto em sub-missāo imperialista. Ócio, vagabundagem, deambulaçāo = pecado mano, pecado. Queimarás na caldeira do inferno, carvāo de forno, empacotando a compra dos outros em sacos plásticos. Esse é o medo que me inculcaram. De virar empacotador no Supermercado Sāo Joāo (ali na esquina da Ipiranga… e que já fechou porque nem ao dono pôde sustentar as seguranças e garantias que a labuta corruptiva do empresariado lhe prometia). Adestrado pela educaçāo da escassez que aprendi tāo bem sendo bom aluno na escola, me permiti ser violentado por tudo um pouco : travesti-me em bancário, professor, desempregado, prós-graduado, artista.
Mas na arte sou incorruptível. Aqui sou forte, masculofeminino, irreverente, engraçado e safo. Rompo tratados, traio os ritos, quebro a lança e a lanço no espaço. Pulo fora de tudo que me enquadra. Como artista, atento contra a própria arte e me faço mártir do meu terrorismo.
Recentemente meu amigo dr. Palhaço Marcus (Pipo) Matraca – porque já que estamos falando duma sociedade de títulos, um desses nāo pode ser omitido – me disse que ouviu « Lâmina » repetidas vezes num momento de grande transiçāo profissional. Se mudando do litoral pros confins do sertāo, assumindo uma cadeira na Federal da Bahia. Deixando o conforto de ouvir pra compor o (muitas vezes angustiante) lugar social de ser escutado. Acho que ele compreendeu o sentido profundo da cançāo. Entendo-a assim, como um portal, uma cantiga de rito de passagem, que se entoa quando o chāo some dos pés, quando diante do espelho abissal, um frescor divino te sopra no ouvido o incompreensível: vacuidade, vacuidade, vacuidade! Na infinitude das passagens, na eternidade do caminho, esse é o enigma que se abre agora pra nós, alados decaídos em trágica ascendência.
Arte e trabalho sāo conciliáveis? Lógico que sim, com certeza! Mas não pra mim, porque ainda sou um fetichista do conflito. Sem chance ainda de apaziguamento nesse campo. Mas tenho a intuiçāo de que um dia, quando integrar a simplicidade com amor, polaridades se fundirão na abdicação do meu direito de resposta. É isso, esse dia virá, e nele estarei abrindo māo do meu direito de ser respondido.
Falei, falei, e nāo saí do lugar. Continuo aqui sentado no sofá com essas questões incômodas. E se você chegou até aqui, entāo vem comigo atravessar as paisagens dessa cançāo de ferro e fogo, barulho e silêncio, cortes e faíscas…

lyrics

LÂMINA______________________________________batone

Querendo a ponta dos meus dedos
o medo aponta a sua lâmina
prata como a primeira fresta da manhã

e eu nu e cru falando grego
me abro em versos entre as máquinas
grisalhas máquinas ovelhas tecelãs
entre as ovelhas tecer lã

faísca
me aconselha o metal que crispa
procura o sol no acordeon
acorda o sol
na cor do som
a risca
que foi traçada não deixou mais pista
e nessa estrada que vai dar em nada
Deus te guarda
Deus te aguarda são
Deus te aguarda são
Deus te guarda
como a pedra que o tempo alisa
Deus te guarda
lâmina precisa

Escuto atento a entrevista
a voz do artista que veio dançar
conta pra sala como cala a solidão

e ainda dentro da notícia
passo em revista minhas músicas
de cada estada
nessa estrada
nesse chão
de cada entrada em colisão

faísca
me aconselha o metal que crispa
procura o sol no acordeon
acorda o sol
na cor do som
a risca
que foi traçada não deixou mais pista
e nessa estrada que vai dar em nada
Deus te guarda
Deus te aguarda são
Deus te aguarda são
Deus te guarda
como a pedra que o tempo alisa
Deus te guarda
lâmina precisa

credits

from N​ã​o vai ter culpa!, released January 29, 2016
Gravado no Plugue Estúdio de 12 a 15 de dezembro de 2013
Produção musical: Júlio Anizelli
Direção de arranjo: Emílio Mizão
Mixagem : Júlio Anizelli e Caio Freitas
Edição e masterização: Júlio Anizelli
Arte gráfica: Toty Galbiati

Músicos:
Emílio Mizão - guitarra
Diogo Burka - baixo elétrico
Filipe Barthem - contrabaixo acústico com arco
Fábio Farinha - bateria
Murilo Barbosa - teclado
Paulo Perin - Steel guitar
Batone - vocal

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about

Batone Montreal, Québec

Eco-anarco-humanista, glauberiano com ascendente em escorpião.
Um ex-fantoche, um faminto índio das cavernas, um loboguará do Velho-Oeste Paulista e, antes de tudo, um ente que se quer presente.

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