Dizem que o defeito que apontamos nos outros são aqueles que ainda encontram morada em nós. Pois se eu tivesse que confirmar a tese ensaiaria o caminho deixado por essa canção. Vocifero para atingir um alvo e me deparo acertando em mim mesmo. Essa música é irmã siamesa de uma outra, “Acidente na rua prof. Azevedo Marques”. Assim nasceram juntas e do mesmo sentimento. E como todo sentimento é contraditório, elas são tão avessas uma à outra quanto complementares.
Enquanto “Acidente” descreve aquilo que se refere à força de atração dos distintos, “Manteiga derretida” fala da repulsividade dos iguais. Uma canção que trata do receio, das hesitações e da vaidade que envolve querer-se a mesma coisa. Na época parecia um desabafo pra tudo aquilo que eu não compreendia desse jogo no qual sempre fui um “café-com-leite”. Mas hoje, com a revisão que a idade nos impõe e com o próprio exercício reflexivo que o Disquinho me motivou, começo a compreender alguma coisa. Talvez a letra fosse mais honesta se ela dissesse: “chora então meninO, chora então…” Das vestes pesadas desse curso sentido e solitário, um manto ainda me atrapalha os passos e é o desse melindre crônico. Perdôo fácil, mas me ofendo mais fácil ainda. E nesse ponto a sabedoria crística é tão direta e incontornável. Aliás, como podemos nós, insetos do cosmos, sermos tão detentores de cosmogonia. Tão possuidores do segredo do Universo. É assim que essa canção é assombrada. Assombrada por vozes que simulam essas emoções esquizofrênicas que os Irmãos Saturno me ajudaram a traduzir.
Chora então, menina , chora então, chora até passar
tanta dor manteiga derretida eu não posso consolar
todo amor é mesmo uma corrida, como cansa desejar
Chora então, menina , chora então, chora até secar
Eu não lembro mais dessas feridas, deixa elas como estão
tua dor manteiga derretida, o que é que eu faço, chora então
Troca a roupa curta da criança que brincou de amar
você se perdeu nessa criança que não quer, não vai voltar,
você me deixou sozinho à beça, naquela mesa, naquele bar,
olhando teu copo de água com gás e limão
chora então menina, chora então
Pega um táxi, um bonde
um trem, um ácido
um modem
não vão te encontrar
mas eles já sabem sua casa
todo mundo vai pra lá,
só você não sabe o que se passa
e eu querendo te ajudar
mas teu telefone me trapaça
não chama, não toca, nunca está
desse jeito, desse jeito, espana, espana
desse jeito não vai dar, não vai dar,
desse jeito não vai dar não, não vai...
Chora então menina, chora então, chora até casar
essa flor manteiga derretida só perfuma se regar
todo amor é mesmo uma corrida, como cansa desejar
chora um mar em fúria, chora uma avenida
que uma hora outro alguém vai te bastar
outro alguém vai te bastar.
credits
from Disquinho de Bolso,
released September 16, 2009
Batone: voz, guitarra e craviola
Mizão: guitarras
Joe Parker: baixo
Érick Moura: teclados
Stephan Drummond: bateria (parte 1)
Rodrigo Serra (Babalú): bateria (parte 2)
Irmãos Saturno (Paulo e João Casaes): efeitos e batidas
Laura Zandonadi: segunda voz
Eco-anarco-humanista, glauberiano com ascendente em escorpião.
Um ex-fantoche, um faminto índio das cavernas, um loboguará do Velho-Oeste Paulista e, antes de tudo, um ente que se quer presente.
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