Conheci o el escama em meados de 2003. Foi num sarau de poesia na casa de uma das minhas poetisas preferidas Heloisa Helena, ou simplesmente uma grande amiga, a Helô. O sarau extremamente animado parecia uma festa junina, tal era o número de convidados a realizar uma performance. Fiz até um dueto com meu pai cantando Boneca de Trapo e Hoje quem paga sou, porque meu pai e eu adoramos Nelson Gonçalves. E entre as pessoas, sempre muito especiais que formam o amplo espectro de tipos amigos da Helô, havia num canto aquele grupo, parecia um trio de amigos, de amigos nerds, que ao mesmo tempo era uma banda, uma banda que não tinha nome fixo porque mudava de nome a cada apresentação… Ali estavam El Escama, Paulo Argollo e Rodrigo Gerdulli.

Naquela noite eu estava acompanhado pelo Chico Marques. Já era quase meia alcatéia do Loboguará e aquela turminha tinha interesse na banda mariliense de outros tempos. Poderia ter sido só mais uma conversa. Mas de repente fiquei sabendo que o El Escama era mais obssecado pelo Arnaldo Baptista que eu. Ele tinha tudo, todos os álbums, a biografia, sabia tudo… foi como encontrar um terráqueo num mundo há muito povoado por marcianos. Parece brincadeira mas passei quase dois anos sem compor por causa de Let It Bed combinado com Enxugando Gelo do BNegão.

Bom, o que se segue daí é a história de uma bela amizade, de apreciação mútua no quesito "tenho uma nova canção pra mostrar", de confiança no estilo… Nada que El Escama me indicou pra ouvir pode ser desconsiderado. Aliás, uma de suas indicações mudou minha vida: o álbum Grace du Jeff Buckley. Me rearmonizei com o Universo ouvindo esse disco. Foi dele também os discos copiados do Sérgio Sampaio, que também fizeram uma boa arrumação no interior desse que vos escreve. Mas muitas outras coisas: lembro da sensação de ter saído com ele e Paulo Argollo depois de ouvir o disco ainda desconhecido dos ainda desconhecidos Cachorro Grande. Ou a primeira vez que ouvi "Eu e minha ex" de Júpiter Maçã. Momentos assim solidificam relações. Em contrapartida, indiquei-o como possível aprendiz técnico pro PlayRecPause. Ele foi pra lá num final de semana e só saiu três anos depois… sem nunca de fato ter se adaptado aos árduos trabalhos de edição em música. Nesse meio tempo, enquanto o El Escama ocupava um quartinho nos fundos do estúdio e fazia a produção gráfica de toda a galera, o Paulo Argollo fundou o Vera Fisher junto com meu irmão de estrada Toty Galbiati, e tornou-se um dos guitarristas mais interessantes da cidade. O Rodrigo Gerdulli de quebra, virou atleta profissional e ganhou vários campeonatos estaduais no Taekwondo.

"Meu coração agora é pedra" já era uma conhecida canção sua quando lhe pedi pra gravá-la. É a única canção forasteira do repertório. Pra não dizer que não fiz nada, mudei alguma coisa nos versos finais e acrescentei um palavrão que me incomoda até hoje. Também mudei o título pro inglês pra ter a palavra rock, no que é declaradamente um tango. O fraseado à la piazzola ficou por conta do Alex que atacou de escaleta. O Babalú veio pra fazer uma caixa marcial ótima. O Júlio apareceu com uma dessas caixinhas de música que continha um trecho do tema da Pantera Cor-de-rosa e brincou de acelerar e inverter a gravação pra fazer a intro. Eu cantei fazendo um pastiche do Nelson Gonçalves, mas não consegui me concentrar o suficiente pra fazer um registro mais sério... poderia ter ficado melhor, se a intenção ficasse mais ambigua e menos cômica. O El Escama apareceu e fizemos tudo de uma vez só, os backings sendo gravados em tempo real com a voz principal. O resultado impressionou o Júlio.

Aquele trio de amigos no sarau da Helô hoje é uma dupla. O Rodrigo Gerdulli, baixista, jornalista revisor, campeão em taekwondo, nos deixou em 2013 após ser tragado pelas traiçoeiras águas do litoral carioca, um dia depois de ter disputado o campeonato nacional. Perdemos um grande cara que, com certeza, deve estar nos dando uma força do outro lado.