Noir

from Disquinho de Bolso by Batone

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about

Adorava morar na Paissandú. O bairro do Flamengo é pra mim o Rio maravilha. Nos bons tempos notívagos, cruzávamos o Aterro de madrugada, eu e Dú, avessos à toda periculosidade que pode oferecer o maior parque da Gomorra do Baixo Equador. Frequentava o Largo do Machado nas horas mais ermas, para, sempre na companhia agradabilíssima e preciosa do Dú, fumar um cigarro barato, beber uma cachaça com caldo de tutano ou ter uma bela dor de barriga com a mussarela vencida das pizzas do Planalto. Alías, ali no Planalto do Chopp, as pizzas tinham o nome dos Ministérios, havia a Cultura e Educação, a Economia, a Turismo… a que a gente mais gostava era a Agricultura, porque vinha coberta com mais legumes. Fala pra mim se o fulano que teve essa idéia não merecia um prêmio.

Gostava de tudo naquelas redondezas. Dos bares-espeluncas ao Belmonte. Quantas noites varadas na praça São Salvador com o Fábio Maleronka possuído de oratória. Pegamos o auge da redescoberta do coreto com as rodas de samba e o choro revitalizando o lugar da noite pro dia. E o que dizer do cinema Paissandú. Entrei tantas vezes sem pagar simplismente porque não havia ninguém na bilheteria (tudo bem que geralmente o filme já havia começado) e (tudo que separava os poucos metros entre a porta da locadora Estação, donde eu era cliente assíduo, e a entrada da sala escura, era uma inocente cortina preta). Irresistível. Nessa famigerada sala, a única que eu conheci que abrigava ainda uma área exclusiva para fumantes, o Cinema Novo nasceu e cresceu. Diz a lenda que Glauber interrompeu projeções com discursos acalorados. Eu sei que vi na minha frente o Zelito Viana chorar, como eu, após a projeção de “Glauber, Labirinto do Brasil”, de Silvio Tendler.

No árabe da Galeria Condor, a melhor esfiha do lugar, conheci o Dib Lutfi, amigo terno que nos ensinou que a genialidade pode ser tão leve quanto o é um dom de Deus. Conheci ali também o BNegão e lá um dia conversei com o Humberto Effe. Enfim, tudo isso pra dizer que nós adorávamos esse miolo preservado do Rio. Até torcer pro Fluminense eu comecei, na esperança de contrair aquela paixão incognicível que nunca me picou.

O fato é que adorávamos tudo dali. Do açaí do Pin-Pin, tenho testemunhas, cheguei a comer 1 kilo e meio junto com o Dib. A Gabi mesmo, pra morar comigo, quis que a gente achasse algum apê na Paissandú. Mas um dia tivemos que nos mudar. Na verdade a conjuntura é que mudou e de uma hora pra outra fomos parar algumas quadras pra frente em direção à Glória. Não era o pior lugar do mundo mas o deslocamento de perspectiva nos abalou mais do que poderíamos imaginar. Deu que a gente veio parar no Canadá, ou melhor, no Quebéc.

E foi nesse contexto que escrevi Noir. Contando assim parece um lamento burguês, mas ela é sentida até o último fio de cabelo. Aconteceu que dentro dela aparecem essas coisas que, no encontro entre a palavra e a nota musical, geram imagens tão significativas que não ousaria dizer senão assim, em forma de canção. Agradeço aquele domingo quando o Rafael Gryner, cheio do seu entusiasmo prolífero, levou à sério a minha sugestão de pensar no Ennio Morricone pra darmos os primeiros passos do arranjo. Aliás, o Rafael Gryner é responsável por um monte de idéias boas levadas à cabo nesse disco. Ali mesmo, na cozinha da FiletComFritas ele me pediu para assoviar o que eu queria e foi assim que a música ganhou um corpo conceitual que foi seguido à risca pela sensibilidade de todo mundo que dela participou. E nela participam Humphrey Bogart, Marlene Dietrich e Nelson Rodrigues.

Para esse que era conhecido na Academia do Barro Branco carinhosamente como o “homem pássaro”, Noir (ou no ar) é bem mais que um trocadilho…

Para os corações encardidos de sonhos, eis uma canção-diluente.

lyrics

NOIR __________________________________________batone
Mudando novamente de endereço
ao encalço de mim mesmo
sustentando aeroplanos
no ar pra que nada venha a desabar
no ar, faço trovas, trovejando
no ar, conto as dobras do tempo solar
no ar, para onde, para quando...
sou refém agora do dinheiro
ele dita o paradeiro do meu rádio e travesseiro
tudo nessa vida tem seu preço
de repente o sucesso
dura um fósforo aceso
no ar, ele brilha antes de suspirar
no ar, tudo inflama e vira cinza
no ar, as estrelas da sessão privé
no ar, uma rádio, uma canção qualquer
partindo novamente do começo
desprezando todo acesso
me conheço, réu confesso
noir como o sobretudo de Bogart
noir, como um morto na piscina
noir, como um anjo azul de cabaret
noir, bem novela, bem a vida, como ela é...

credits

from Disquinho de Bolso, released September 16, 2009
Batone: voz. violão e assovio
Mizão: guitarras e efeitos
Filipe Barthem: baixo
Érick Moura: piano e teclados
Marcus Matraca: flautas e efeitos
Oliver Drummond: chimbals e caixa
Laura Zandonadi: coro

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Batone Montreal, Québec

Eco-anarco-humanista, glauberiano com ascendente em escorpião.
Um ex-fantoche, um faminto índio das cavernas, um loboguará do Velho-Oeste Paulista e, antes de tudo, um ente que se quer presente.

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