Considero "O Inventor" a canção com o maior potencial radiofônico que já compus. Ela tocada como balada folk no velho violão que me acompanha tem um astral cativante e uma mensagem direta e relevante sobre a superação como processo natural das desilusões amorosas. Mas o disco já tomava proporções épicas e uma balada de violão parecia algo deslocado do contexto. Dentro de uma saudável rebeldia de fazer tudo soar um pouquinho mais difícil pra quem ouve, muito sanduíche virou prato exótico. O Inventor foi a principal vítima desse arrastão criativo. Não que eu não goste do resultado, muito pelo contrário. Acho que a fórmula funcionou, adequando formato e conteúdo. A trilha não deixa de lembrar algo de sci-fi retrô, sugerindo máquinas, engenhocas, computadores, tudo com uma sonoridade vintage que adorna bem o recital. O Alex criou uns fraseados no teclado que lembram operações de raciocínio numerisado, o Mizão gravou quase todas as guitarras com E-bow, quase querendo esconder que se tratava de uma guitarra e o Bamboo apareceu com uma batera matemática, cheia de convenções ritmicas associadas as passagens da canção. Tudo pra soar duro e suave. Pra lembrar o laboratório do Doutor Pardal.

Aquele final imenso apareceu naturalmente porque todo mundo queria mais espaço pra continuar a fazer o que estavam fazendo. Virou tema progressivo. O Mizão resolveu gravar uma avalanche de overdubs com o E-bow e a coisa ficou promissora. Deu um trabalhão pro Júlio mixar. Foram tantas provas de edição que ele me mandou que eu tenho a impressão que algumas ficaram até melhores que a versão final, no meu gaiato parecer. Mas tava tão complicado entender a mix que eu nem sabia como explicar ou como retomar o processo. A questão é que com aquele final já sabíamos qual seria a canção que fecharia o disco. Mas como fechar a canção?

Até que numa manhã, na padaria em frente ao estúdio, onde nos encontrávamos pra começar o dia com um belo pão de queijo antes de se entregar à mesa de edição, o Filipe aparece com um sorriso grande e diz: vcs precisam ouvir o recado que o vizinho deixou na minha secretária eletrônica. Era começo de ano, como sempre eu ia pra Londrina gravar durante as férias aproveitando a folga nas disciplinas da UVA. Durante o período de Festas, a casa do Filipe Barthem virava um palco de jam sessions que varava noite adentro. Com direito a bateria, percussão, set de metais e tudo o mais que uma boa jam merece. Numa dessas um vizinho protestou. Mas protestou com uma politesse que desconcerta. Entre sonolento, resignado e paciente, ele gravou aquela mensagem com a voz grave de um mal-dormido. E a canção encontrou seu fechamento, assim como o disco.