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Rosa dos Ventres

from LIXO EXTRAORDIN​Á​RIO by Batone

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about

Quando eu pulava os muros da Fepasa pra me embrenhar no alto matagal junto aos trilhos do trem que passava em frente de casa, eu só pensava numa coisa : caçar vagalume. Meu pai havia me ensinado o truque: cantando o pequeno mantra "vagalume vem, vem, teu pai tá aqui, tua mãe também" eles surgiriam aos montes. E lá se iam eu e meu grande amigo de infância Edson Koiti Kawano, exímio acrobata dos muros da Fepasa, que sempre me acompanhava na aventura de engarrafar vagalumes. Devia ser perigoso fazer aquilo. Não pelos vagalumes, mas pelo mato que nos ultrapassava em altura e que de tão cerrado, nos amparava no desequilíbrio. No mais, tinha que ser feito de noite, quando se pode enxergar vagalumes. Mas o mágico era que, ao toque da pequena ciranda, eles apareciam. E nos circundavam atraídos pela melodia misteriosa. Fascinados, eu e Edson abandonávamos a idéia de engarrafá-los e nos deixávamos levar pelo espetáculo.

Comecei a compor Rosa dos Ventres ainda na fase Loboguará, interessado no execício do jogo de palavras a que me lançava com intensidade nessa época. Compunha sem tema, sem uma idéia norteadora, simplesmente atado à musicalidade dos versos que se combinavam ao acaso e à força de uma disposição mental significativa pra deixar que as palavras perambulassem e se atassem livremente pelo magnetismo intrínseco a sua associação. Mas por esse método, não raramente os projetos de canção eram abandonados antes de se completarem. Demandava tempo e esforço e me deixava sempre com um ar meio lunático. Minha cabeça estava sempre em outro lugar. Minhas irmãs reclamavam que contar uma história pra mim era como conversar com um manequim de loja. Eu prestava atenção, mas não tinha como responder porque em paralelo minha cabeça girava palavras como se fosse um programa randônico decifrador de senhas.

Assim, Rosa dos Ventres passou anos como um amontoado de versos sem direção, que eu cantava e mostrava mesmo assim, mas que aguardava no fundo o momento de uma resolução por outra via metodológica.

Depois que conheci Gabi, passei a ouvir muito Chico Buarque. Tenho a impressão que são as mulheres que divulgam a obra de Chico. São elas que nos afinam a sua sensibilidade, que nos preparam pra sua poesia e que nos educam a escutá-lo. Dito isso fica fácil perceber que o acabamento final de Rosa dos Ventres é bem buarqueano. A temática empresta quase que pinçada uma prostituta do seu universo de personagens femininos. O trágico e o onírico da canção são de tons buarqueanos. Minha intenção aqui não é tirar proveito da comparação. Revelo tão somente o empréstimo de estilo a uma de minhas canções que foi beber no manancial impressionante de um mestre cuja obra é monumental. Tenho prazer particular em entender e revelar os processos, as metodologias empregadas no feitio de cada canção. Como disse uma vez o Herbert Vianna, compor é se enveredar por um caminho tão misterioso num processo de criação, que nunca se sabe se haverá uma nova canção depois, ou seja, ter composto uma ou várias canções não é garantia de que continuará a compor outras na continuidade. "Se tem a fórmula, satura".

No estúdio, o arranjo se estruturou em torno do piano do Alex. O Filipe foi de baixo fletless pra evidenciar essa linha do piano. Para o começo das gravações, Mizão nos levou até Cambé, cidade satélite de Londrina, em busca de um luthier que havia feito uma bela réplica de uma Rikenbaker 12 cordas. Tirando o solo final, tudo foi feito com essa Rikenbaker. Eu toquei um violão de aço, meu velho Fender dos tempos do Lobo. O final apoteótico é sempre minha vontade Led Zeppelin de ser. Uma constante que a todo custo tento evitar, mas que em casos como dessa música, soam bem apropriadas. Na primeira edição, o Júlio nos enviou um final onde após o término dos instrumentos, restava uma discussão bem acalorada sobre como conduzir o clímax desse final. Adorava esse final, porque nele se ouvia a opinião de todos da banda: Farinha, eu, Mizão, Alex e Filipe, todos se pronunciavam com um bom humor e uma alegria flagrantes de fazer aquilo que haviam acabado de fazer. Mas o Júlio voltou atrás, achou excessivo, mesmo diante dos apelos meus e do Mizão de manter o recurso que, apesar de lugar comum em trilhas incidentais, continha algo muito verdadeiro de como o processo de produção coletiva se deu no decorrer dos registros das canções. Espero que esse trecho ainda esteja preservado em algum lugar. Gostaria mesmo de um dia revê-lo.

Por fim, a canção termina com um registro vocal quase afônico depois dos picos de agudo que faço durante o solo de guitarra. Acho isso interessante também. Podíamos ter deixado essa volta pra ser regravada num dia com a garganta descansada. Mas a opção foi mostrar o estrago mesmo. O toque final da estrutura da música ficou por conta da recuperação daquela antiga dica de meu pai pra atrair vagalumes. A junção de idéias discrepantes sempre cria novos significados, sobretudo no espaço íntimo de uma canção. E assim se acompanha esses vagalumes como almas em torno da chama furtiva de uma dama da noite, que "vagueiam nus atrás da luz quando alguém diz, vem amor, vem amor, venha morar em mim".

lyrics

ROSA DOS VENTRES________________________(música e letra: batone)

Na sua cor de flor cuspindo pólen, olhem
tudo ao redor rima com teu vestido
quando só vestes luz
como o tempo que se espera pra nascer
beleza ferina, ferrão de abelha
em pele de fruta depois que garoa

era licor a boca que ela deu pr’eu provar
tudo mudou, tudo mudava toda hora
quis meu fim e eu quis cegar dessa força polar
cegar das estrelas, cegar de velas
num canto que atrai os vagalumes
e os que vageiam nus atrás da luz
quando alguém diz :
vem amor, vem amor,
venha morar em mim!

vagalume vem, vem, teu pai tá aqui, tua mãe também!
vagalume vem, vem, teu pai tá aqui, tua mãe também!

ela mudou, toda manhã é outra rota
vira motor, vai rosa moinho por linhas tortas
rosa luz, rosa dos ventres sem pai, sem país
rouba dos detentos o sono dos ossos
rosa sim, rosa dos ventos suspirosos
o meu amor ficou na sua bolsa, ouça
ela levou e virou madrugada, ladra!

credits

from LIXO EXTRAORDIN​Á​RIO, released July 1, 2007
batone: voz e violão
mizão: guitarras
filipe barthem: baixo
farinha: bateria
alex corrêa: teclados
duda de souza: alfaias, caxixi, tambor de mola

produção executiva: júlio anizelli
produção musical, mixagem e masterização: júlio anizelli
direção de arranjo: alex corrêa e mizão
técnicos de gravação: júlio anizelli e gustavo potumati
edição: júlio anizelli

license

all rights reserved

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about

Batone Montreal, Québec

Eco-anarco-humanista, glauberiano com ascendente em escorpião.
Um ex-fantoche, um faminto índio das cavernas, um loboguará do Velho-Oeste Paulista e, antes de tudo, um ente que se quer presente.

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