O título dessa canção é o nome de uma das fases mais contundentes da pintura perturbadora de Iberê Camargo. O expressionismo brasileiro nas mãos febris e trêmulas desse artista, ganhou as galerias de todo o mundo. Foi um dos poucos pintores brasileiros a ter uma sala dedicada a sua obra na Bienal de Veneza. Pintava em transe, chegava a lançar 15 quilos de tinta sobre uma tela pra raspar tudo depois e dá-la como finalizada. Quem, visitando seu atelier, comprava um quadro ainda inacabado, corria o risco de receber um algo bastante diferente daquele que havia escolhido. Um artista indomado, cujo domínio da técnica e a sensibilidade tinham encontrado seu paroxismo a ponto de se tornarem paradoxais.

Desse paradoxo entre técnica e sensibilidade nasce a autêntica arte moderna. Como me explicava esses dias o amigo e filósofo Louis-Hervé, o engodo do artista moderno é se permitir prescindir do artesanato, do domínio técnico. Mas no início dos anos 80, Iberê mata um homem em plena rua no bairro de Botafogo. Pega prisão mas é solto um ano depois por legítima defesa, apesar da versão mais conhecida do episódio narrar que ele se intrometeu numa briga de casal que envolvia a sua secretária. Sua obra nunca mais será a mesma. Dos carretéis disformes que pintou obsessivamente por mais de vinte anos ele passará a traçar mórbidas figuras humanas, algumas fazendo alusão à discussão que lhe marcou a curva descendente de sua existência.

Entrei em contato com essa obra impressionante, pra não dizer "expressionante" trabalhando como monitor do Museu Paço Imperial na Praça XV, epicentro do Rio. Lá fiz amizades vitalícias como as de Charles "Nietzsche Pop" Nascimento, a melhor companhia pra se combinar botequim e galeria de arte e do mestre contador de histórias Francisco Gregório Filho, que quando secretário da Cultura do Acre nos levou, eu e Gabi, pra ministrarmos uma oficina de criação musical em Rio Branco e conhecer uma parte da Floresta Amazônica na companhia de uma trupe felliniana, que contava com o cineasta Maurice Capovilla e a vedete da pornochanchada Rossana Guessa.

Foi nas galerias do Paço Imperial que comecei a anotar todas as pequenas placas de diretivas e indicações que ordenavam os visitantes. Extendi as anotações para o ambiente externo, e fui me divertindo com a quantidade de sutis instruções, comandos e regências que uma sociedade extremamente normatizada como a nossa se vê bombardeada todo o tempo. Já tinha uma quantidade suficiente de versos, mas ainda me faltava uma idéia forte que amarrasse tudo isso. Foi quando associei tudo com as telas logo abaixo, já fascinado pela coleção do Iberê exposta no Paço. Ali estava a idéia, o mote, o refrão.