Numa tarde em Londrina, durante as gravações do Lixo Extraordinário, o Mizão se pôs a explicar o complexo código dos soltadores de pipa. Fiquei boquiaberto. Nessa vida soltei muita pipa. Cresci na Ipiranga de frente pra linha da Fepasa e tinha terreno suficiente pra fazer decolar até papagaio torto. Difícil era não levar tombo correndo com os olhos nas nuvens e tendo um enfileirado de dormentes de trem sob os pés. Foi no capim alto da Fepasa que aprendi a catar vagalumes.
Pois bem, depois que Mizão me disse tudo que envolvia a malévola prática de abater pipas com cerol (ver orientações em baixo) resolvi especular sobre as regras da búrica, ou burca no linguajar matuto da escola, o jogo de lóca a partir das bolinhas de gude. Eu sou de Marília e o Mizão de Santo Anastácio, ambos do velho-oeste paulista. Imagina que os termos e regras do jogo eram os mesmos : "escaps" era pra quando a bolinha sumia de tão mal lançada… aí o jogador oficializava a mão pesada como se sua tacada grossa fosse intencional, em outras palavras, constatando que a bolinha foi parar na China, o jogador gritava "escaps" e todos os demais entendiam o valor da jogada, rsrs.
"Tudo-vortis" era pra quando o jogador inconformado com o mal lançamento pedia uma segunda chance reposicionando as bolinhas de novo aos lugares em que elas se encontravam no lance anterior. Rimos muito. Depois engajamos uma filosofia de botequim reinvindicando o "tudo-vortis" pra vida adulta. Imagina como seria bom se pra cada bola fora a gente pudesse pedir aos mortos e feridos uma nova chance de usar a palavra, Como tudo que se institucionaliza nesse mundo, dependeria somente de uma convenção coletiva baseada no reconhecimento compassivo de nossa falha natureza. Assim que surgiu o refrão de Umbido do Mundo, cujo título tirei de um verso de Haroldo de Campos numa oficina de poesia do Chacal que fiz com o Dú e a Gabi.
Essa é uma canção de conselhos que fiz sobre uma espécie de riff que o Chico Marques me mostrou faz muito tempo, bem antes do Loboguará. Então é mais uma de nossas parcerias que talvez ele ainda nem conheça. Cheia de frases muito profundamente sentidas por mim: "eu te aceito imperfeito porque quero andar do teu lado, porque te quero no peito mesmo que em estilhaço" ela fecha um período de cicatrizes abertas. Ontem mesmo me parafraseei dizendo que "o tempo é enfermeiro" depois que perdemos o Luciano num acidente de moto. Pois bem Chico, pra você mais uma dessas idéias que pintaram depois de te ouvir no violão cheio de confiança e vontade na minha retórica poética. Obrigado amigão!
lyrics
UMBIGO DO MUNDO__________Batone e Chico Marques
Eu te aceito imperfeito
porque quero andar do teu lado
porque te quero no peito
mesmo que em estilhaço
tudo que está com defeito
pode ainda ser consertado
pra toda tranca há chaveiro
pra toda chaga, cuidado
pra todo vaso trincado
pra todo o remendo
o tempo é um aliado
o tempo é enfermeiro
eu e a búrica-mundo
“escaps”-“tudovortis”-mundo
mundo desse tamaninho
tanto que eu quero um pedaço
mundo do fundo do poço
mundo fora do prato
roda que eu rodo primeiro
corre pois corro perigo
pare porque és o parteiro
do que será repartido
mundo nózinho do umbigo, nós, o umbigo do mundo
quando eu era pequeno
andava o mundo descalço
entre o fundo do terreno e o começo do asfalto
hoje com meu crescimento
nem tenho mais um pedaço
misturo os erros e acertos
confundo a dança e os passos
eu e a búrica-mundo
“escaps”-“tudovortis”-mundo
na ponta do alfinete
no topo do Everest
pra debaixo do tapete
o pó do Velho Oeste
tudo parece de enfeite
nesse confeito salgado
tudo lançado na rede
tudo jogado no dado
credits
from Disquinho de Bolso,
released September 16, 2009
Batone: voz e violão
Mizão: guitarras e efeitos
Joe Parker: baixo
Vinícius Cordeiro: percussões
Rodrigo Serra (Babalú): bateria
Irmãos Saturno (Paulo e João Casaes): efeitos, loops, guitarra e banjo
Eco-anarco-humanista, glauberiano com ascendente em escorpião.
Um ex-fantoche, um faminto índio das cavernas, um loboguará do Velho-Oeste Paulista e, antes de tudo, um ente que se quer presente.
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